TEXTOS | LINKS |
||||||||||
Karl
Popper Thomas Kuhn e Karl Popper devem ser lembrados como dois dos mais destacados pensadores da ciência do século XX. Ambos deram grande contribuição ao pensamento científico e fomentaram um prolongado debate em torno de suas idéias. Popper critica a filosofia do positivismo lógico desenvolvida pelo Círculo de Viena. O Círculo de Viena (tendo como seus maiores representantes Wittgenstein, Carnap e Schlick) defendia o princípio do verificacionismo. Qualquer hipótese, para ser científica, tinha de ser considerada “verificável” (Freire-Maia, 1998, p.83). Não concordando com essa concepção, Popper propõe o que chama de “falseabilidade” ou “falibilismo”. O falseacionismo se aproxima mais de um método no qual toda proposição, para ser científica, deve ser falseável. Esse procedimento é a principal característica da filosofia da ciência popperina. Para Popper, a ciência se desenvolve a partir de revoluções constantes, renovando-se permanentemente. O critério de falseabilidade está associado à idéia de movimentação e rupturas de paradigmas científicos, ao contrário do verificacionismo, que tem como princípio básico a idéia de verdade, portanto algo que se estabiliza em determinado momento; o falseacionismo ou falibilismo não pressupõe uma verdade primeira, mas um enunciado seguido de uma contraprova ou de sua “falseação”. A idéia é a de que a ciência ou o conhecimento científico se desenvolve a partir da busca e da tentativa de encontrar lacunas para falsear uma teoria. Nesse caso, os cientistas desenvolveriam teorias (métodos) cada vez mais consistentes e flexíveis, pois as teorias (32 Ci. Inf., Brasília, v.33, n. 3, p.26-34, set./dez. 2004 Marivalde Moacir Francelin) contariam com o princípio da incerteza e das mudanças de paradigmas. Tais mudanças seriam constantes. Essa concepção de ebulição de novos modelos na construção científica, prevista na filosofia da ciência popperiana, por meio de “refutações”, encontra, no pensamento de outro importante filósofo da ciência, o seu pressuposto de falibilismo ou refutação. Thomas Kuhn, ao contrário de Karl Popper, afirma que a ciência se desenvolve a partir de revoluções científicas que ocorrem em intervalos específicos (geralmente grandes) de tempo. Para Kuhn, a ciência segue um certo tipo de dogmatismo nesses intervalos, pois se comportará e se desenvolverá de acordo com o paradigma vigente. Esse paradigma engloba um conjunto de valores, teorias e métodos que irão influenciar e servir de “modelo” para uma ou várias comunidades científicas. Com as revoluções científicas, os paradigmas se renovam e os “velhos” paradigmas são substituídos depois de um período de crise dentro da própria ciência. As crises se manifestam a partir de controvérsias ao redor de metodologias, teorias, valores e conceitos no campo científico. Quando surgem novas concepções paradigmáticas, dá-se início a um período de transição. Nesse período há muito o que ser feito, pois a ansiedade pelo novo é muito mais forte do que a tentativa de revigorar o velho paradigma, e este acaba por ser o argumento que lhe é mais desfavorável. Conseqüentemente, as grandes revoluções científicas passaram por períodos de transição variados, e, dessa maneira, seguiram seus respectivos períodos de vigência enquanto paradigmas. Pode-se citar como alguns dos representantes dessas revoluções científicas: Nicolau Copérnico, Galileu Galilei, Isaac Newton, Charles Darwin e Albert Einstein. Veja-se que as revoluções científicas, quando tratadas por um espírito científico revolucionário e não-revolucionário, tornam-se extremamente complexas. Kuhn (1979a) lembra que os cientistas são dogmáticos ao avaliarem o próprio desenvolvimento científico. A criatividade tão apregoada como necessária e substancial ao recém-cientista é reduzida a manuais e “cartilhas” científicas no momento de qualquer avaliação. Eis um “espírito” revolucionário desativado ou em inércia. Isso não significa que a criatividade esteja relacionada diretamente às revoluções científicas. Indica que podem haver espíritos criativos e potencialmente revolucionários. E é destes que parte a iniciativa para as revoluções científicas. Em vez do enfoque no evento da descoberta em si, propõe-se a análise de um contexto não como mito (Popper, 1999), mas como um importante agregado à construção científica. Portanto, ter-se-ia um panorama científico que se desenvolve a partir de revoluções e de “espíritos” revolucionários, podendo ocorrer de tempos em tempos (Kuhn, 2001), a todo momento (Popper, 1999), ou das duas maneiras concomitantemente. Questão semelhante foi levantada por Williams (1979), que pergunta a Kuhn e a Popper como saber o que é ciência. A ciência não é planejada estrategicamente. Os cronogramas restringem-se às pesquisas isoladas e, geralmente, correspondem a curtos espaços de tempo. As próprias pesquisas desenvolvem-se independentes umas das outras. Apenas são compartilhadas depois de sua concretização ou a partir de resultados parciais. Dessa maneira, fica difícil saber como se desenvolve a ciência. O cenário científico depende da descrição do cientista. O cientista descreverá o que achar prudente. Essa prudência deturpará e excluirá muitos eventos importantes do trajeto científico. Esses são problemas de processo científico, mas a definição de ciência está no processo ou além dele? Nesse caso, Kuhn e Popper “[...] baseiam suas concepções da estrutura da ciência na sua história ...e a história da ciência não pode suportar essa carga por hora.” Mesmo porque “[...] não sabemos o suficiente para permitir que se erija uma estrutura filosófica sobre uma história” (Williams, 1979, p.61). Isso quer dizer que tanto Popper quanto Kuhn desenvolveram suas teorias de acordo com a visão que têm da ciência, o que não significa que uma ou ambas tenham encontrado ou possuam, segundo Williams (1979), a essência da ciência. O próprio Kuhn (1979b) diz que nem o seu trabalho nem o de Popper são fundamentados em “[...] generalizações que constituem as teorias aceitas na sociologia e psicologia (e na história?) [...]”, porém refere-se às “[...] observações coligidas por historiadores e sociólogos [...]” como “importantes” à filosofia da ciência” (Kuhn, 1979b, p.291). Essa importância parece estar clara no pensamento kuhniano (Kuhn, 2001, p.11-12). As posições defendidas por Popper (1979; 1975) e por Kuhn (1979b; 2001) estão envoltas, segundo os próprios autores, em mal-entendidos. Popper diz que Kuhn não o “entende” ou o “interpreta mal” (Popper, 1979, p.63). Já Kuhn diz a mesma coisa, não de Popper, mas de Lakatos (1979). Lakatos é seguidor e defensor das idéias de Popper (Chalmers, 1994, p.12), chegando a colocá-lo no mesmo nível de David Hume e Immanuel Kant (Lakatos, 1999, p.151). Portanto, Kuhn, ao criticar ou defender-se do que diz Lakatos, está, de certa maneira, estendendo sua argumentação a Popper. Segundo Feyerabend (1991), Lakatos foi o “[...] único filósofo da ciência que aceitou o desafio o de Kuhn [...]” e o combateu em “[...] seu próprio terreno e com as suas próprias armas” (Feyerabend, 1991, p.330). Pensamentos como esses, aparentemente divergentes em certos aspectos, acabam se encontrando e desenvolvendo Ciência, senso comum e revoluções científicas: ressonâncias e paradoxos uma quase complementaridade justamente em dois dos aspectos considerados mais importantes da história do pensamento científico: as crises e as revoluções. Leia um trecho de Kuhn >>>Clique aqui |