Marx
O objetivo de Marx foi 'inverter o homem de Hegel', que tem
os pés na terra e a cabeça nas nuvens, mostrando que sua
cabeça, isto é, suas idéias são determinadas
pela 'terra', ou seja, pelas condições materiais de sua
vida. A consciência que é considerada livre e autodeterminada
passa a ser vista como condicionada pelo trabalho. Hegel, ao contrário
de Kant, já admitia o conhecimento como socialmente determinado,
existindo formas de consciência que correspondem a momentos históricos
determinados. Só a partir da consideração da totalidade
pode-se fazer a reconstrução dessas diferentes formas. A
alienação consiste em uma visão parcial, a partir
de uma única forma, ou de um único momento. Isto, no entanto,
segundo Marx, é ainda manter-se exclusivamente no plano das idéias
e da cultura, o que consiste também em uma forma de alienação.
'Minha pesquisa me levou à conclusão
de que as relações legais e as formas políticas não
poderiam ser explicadas, seja por si mesmas seja como provenientes do
assim chamado desenvolvimento geral da mente humana, mas que, ao contrário,
elas se originam das condições materiais da vida ou da totalidade
que Hegel, seguindo o exemplo dos pensadores do séc. XVIII, engloba
no termo 'sociedade civil.' (Marx)
A
questão central da análise de Marx passa a ser portanto
o trabalho, questão, aliás, praticamente ausente da análise
dos filósofos desde a Antigüidade. O trabalho é uma
relação invariante entre a espécie humana e seu ambiente
natural, uma perpétua necessidade natural da vida humana. Esse
sistema de ação, instrumental, contingente, surge na evolução
da espécie, mas condiciona nosso conhecimento da natureza ao interesse
no possível controle técnico dos processos naturais. O processo
autoformativo da espécie humana é condicionado. o que vai
contra a idéia hegeliana de um movimento do Absoluto. Depende assim
de condições contingentes da natureza. O Espírito
não é como queria Hegel, o fundamento absoluto da natureza,
mas, ao contrário, a natureza é o fundamento do 'Espírito',
no sentido de um processo natural que dá origem ao ser humano e
ao meio ambiente em que vive. Ao reproduzir a vida nessas condições
naturais, a espécie humana regula sua relação material
com a natureza através do trabalho, constituindo assim o mundo
em que existimos. As formas específicas segundo as quais a natureza
é objetificada mudam historicamente, dependendo da organização
social do trabalho. Só temos acesso à natureza através
de categorias que refletem a organização de nossa vida material.
No processo de trabalho não só a natureza é alterada,
mas o próprio homem que trabalha, não havendo assim uma
essência humana fixa. 'A História é a verdadeira história
natural do homem', diz Marx.
Nietzsche
“Para Nietzsche, os instintos parecem ser mais fundamentais
e certeiros. Ao valorizá-los o filósofo assume uma posição estratégica
que lhe permite fazer oposição às definições do homem pela racionalidade,
ou pela consciência. Não sendo mais fundamental do que os instintos, a
consciência não pode ser erigida em mestra dos mesmos. A consciência é
considerada apenas como uma órgão e, note-se bem, ‘o órgão mais frágil’,
‘mais falível’, e portanto não é o grau mais elevado da evolução orgânica
nem, tampouco, o objetivo, o valor, ou o critério superior da vida. Mais
uma vez, a idéia de que a consciência pode nos induzir a erros se faz
presente. Se o corpo é, aos olhos de Nietzsche, uma ‘grande razão’, um
‘soberano poderoso’, um ‘sábio desconhecido’, isso se deve ao fato de
que no fenômeno do corpo Nietzsche parece encontrar um caminho alternativo
àqueles da consciência. O cerne do pensamento nietzschiano é a
crítica ao conceito de consciência. Para Nietzsche, a consciência é, por
definição, uma superfície e não o lugar por excelência da vida psíquica.
Longe de ser o ‘núcleo’ do ser humano, seu papel está subordinado ao ‘laço
dos instintos’. Essa fascinante temática é aqui exposta com rara clareza
e rigorosa precisão.” (CRÍTICA AO CONCEITO DE CONSCIÊNCIA NO PENSAMENTO
DE NIETZSCHE Marcelo Giglio Barbosa Beca - 2000 139 pág.)
A filosofia, segundo Nietzsche representada por Sócrates,
o 'homem de uma visão só', instaura o predomínio
da razão, da racionalidade argumentativa, da lógica, do
conhecimento científico, da demonstração. Com isso,
o homem perde a proximidade com a natureza e suas forças vitais,
que mantinha no período anterior e que encontra sua expressão
nos rituais dionisíacos, na dança, na embriaguez. A tragédia
expressa esse elemento vital no confronto entre os homens e os deuses,
no confronto entre o homem e seu destino, no herói que visa superar
seus limites, como Prometeu no ciclo de tragédias de Ésquilo.
Dionísio seria assim o deus vital, a alegria, o excesso. O surgimento
da filosofia representa o predomínio do que Nietzsche chama o 'espírito
apolíneo', derivado de Apolo, o severo deus da racionalidade, da
medida, da ordem e do equilíbrio. No período que antecede
a filosofia, o 'espírito apolíneo' e o 'espírito
dionisíaco' se contrabalançavam, completando-se mútua
e dialeticamente. Com o desenvolvimento da razão filosófica
e científica, o espírito apolíneo irá prevalecer,
e o espírito dionisíaco, o desejo, a 'afirmação
da vida', será progressivamente reprimido. A história da
tradição filosófica é a história do
triunfo do espírito apolíneo em detrimento do dionisíaco.
O advento do cristianismo reforçará essa direção
com o espírito do sacrifício e da submissão, com
o pecado e a culpa, com o supremo paradoxo do 'deus morto', Cristo, o
'crucificado', como Nietzsche se refere a ele. Nossa cultura seria fraca
e decadente devido ao predomínio das 'forças reativas' que
a construíram. A verdade e a moral são os instrumentos que
os fracos inventaram par submeter e controlar os fortes, os guerreiros.
A tradição ocidental é o resultado desse processo.
O objetivo de Nietzsche é, assim, duplo: revelar, e
criticar, esse processo e restaurar os valores primitivos perdidos. Zomba
do racionalismo crítico moderno, de sua pretensão de fundamentar
nosso conhecimento e nossas práticas.
Freud
Com
a hipótese da existência do inconsciente, Freud mostra que
o homem não se define pela racionalidade, e que sua mente não
se caracteriza apenas pela consciência, mas, ao contrário,
nosso comportamento é fortemente determinado pr desejos e impulsos
de que não temos consciência e que reprimidos, não-realizados,
permanecem entretanto em nosso inconsciente e manifestam-se em nossos
sonhos, e em nosso modo de agir. Ao formular uma nova explicação
do aparelho psíquico humano, Freud mostra que não temos
controle pleno de nossas ações e que há causas determinantes
de nossa ação que nos são desconhecidas. Um dos argumentos
centrais do racionalismo moderno - a acesso privilegiado do ser pensante
à sua própria consciência, a evidência do cogito
enfatizada por Descartes - torna-se assim altamente problemático.
(Iniciação da História da Filosofia, Danilo Marcondes)
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