Para
os intérpretes de Maquiavel, ele criou a 'razão do Estado',
onde o Estado real funciona como um cálculo racional para a manutenção
do poder. Além disto, Maquiavel teria retrocedido no tempo, pois,
"o abandono dos parâmetros morais implica a volta a um estado
de competição regulado unicamente pelo desejo de conquista".(Bignotto,
Newton. As Fronteiras da Ética: Maquiavel, in Ética, Cia
das Letras, SP, 1992, p. 115) Para complicar mais ainda a situação
de Maquiavel, ele confirma isto ao afirmar em O Príncipe: 'os homens
esquecem mais facilmente a morte do pai do que a perda do patrimônio".
(idem, p.115)
Na
interpretação de Newton Bignotto, Maquiavel não sugeriu
um retrocesso, mas sim uma retomado do modelo de república oferecido
pela antiga Roma. Diz Bignotto: "O que faz de Roma o melhor regime
possível? A resposta maquiaveliana se constrói ao longo
de toda a sua obra, mas podemos resumi-la em uma só palavra: liberdade.
É a liberdade, expressa nas instituições, nas ações,
no espírito de conquista, que faz de Roma o modelo a ser imitado.
Liberdade que explica os progressos enormes da cidade." E cita Maquiavel:
"... é o bem geral, e não o interesse particular,
que constitui a potência de um Estado, e, sem dúvida, somente
nas repúblicas vemos o bem público, somente aí nos
determinamos a fazer o que é vantajoso para todos, e se, por acaso,
com isso se faz a infelicidade de alguns particulares, tantos cidadãos
são beneficiados, que eles estão certos de vencer esse pequeno
número de indivíduos cujos interesses são feridos
(Discorsi, II, 2)" Concordando com I. Berlin, Bignotto considera
que Maquiavel "não opõe duas esferas autônomas
da ação - a política e a ética - mas que ele
opõe duas maneiras de se conceber a ética: uma cristã,
fundada na revelação e na consciência, e outra antiga,
fundada no respeito ao bem público e às leis da pólis."
E para confirmar esta sua interpretação, Bignotto cita novamente
o Discorsi de Maquiavel: "Nossa religião dá mais
crédito às virtudes humildes e contemplativas do que às
virtudes ativas. Nossa religião coloca a felicidade suprema na
humildade, na abnegação, no desprezo das coisas humanas;
a outra, ao contrário, considerava como bem soberano a grandeza
de alma, a força corporal e todas as qualidades que tornam os homens
temidos. Se a nossa exige alguma força de alma é para dispor-nos
a sofrer, mais do que para que façamos alguma ação
vigorosa." Portanto, Maquiavel não teria "substituído
a escala de valores cristãos por um niilismo ético."
Ele, Maquiavel teria sim afirmado "a superioridade da antiga ética
sobre a do seu tempo."
Concluindo, "O que Maquiavel descobre, não
é a independência da ética e da política. A
história romana prova o contrário. O que ele mostra é
que nas fronteiras do político, lá onde a ética e
a religião fracassam, continua a existir uma forma de governo que
conserva elementos fundamentais de todas as outras. Maquiavel aponta os
limites da ética cristã mostrando que ela é incapaz
de guiar os homens na construção de uma república
virtuosa."
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