A
revolução científica do século XVII |
A
revolução científica moderna tem seu ponto de partida
na obra de Nicolau Copérnico, Sobre a revolução
dos orbes celestes (1543), em que este defende matematicamente (através
de cálculos dos movimentos dos corpos celestes) um modelo de
cosmo em que o Sol é o centro (sistema heliocêntrico),
e a Terra apenas mais um astro girando em torno do Sol, rompendo deste
modo com o sistema geocêntrico formulado no século II por
Cláudio Ptolomeu em que a Terra se encontra imóvel no
lugar central do universo (cuja origem era o Tratado do céu de
Aristóteles, embora com importantes diferenças). Representa
assim um dos fatores de ruptura mais marcantes no início da modernidade,
uma vez que ia contra uma teoria estabelecida há praticamente
vinte séculos, constitutiva da própria maneira pela qual
o homem antigo e medieval via a si mesmo e ao mundo a que pertencia.
Na verdade, podemos considerar que o interesse pelas ciências
naturais se inicia com a reintrodução na Europa ocidental,
a partir do final do séc. XII, da obra de Aristóteles
e de seus intérpretes árabes. Embora a revolução
científica moderna inspire-se muito em Platão, pela valorização
da matemática na explicação do cosmo, e nos pitagóricos,
que já teriam antecipado o modelo heliocênctrico proposto
por Copérnico (segundo ele próprio admite), Aristóteles
é o responsável pela ênfase na pesquisa experimental
e na importância da investigação da natureza. Portanto,
quando os modernos rejeitam o aristotelismo, esta rejeição
se explica pelo modelo geocêntrico de cosmo adotado pelos aristotélicos
e pelo uso, talvez mesmo o abuso, escolástico da lógica
aristotélica na demonstração de verdades universais
e necessárias, em detrimento da observação e da
experiência. Por esse motivo, a contribuição de
Aristóteles acaba não sendo devidamente reconhecida.
A ciência moderna surge quando se torna mais importante
salvar os fenômenos e quando a observação, a experimentação
e a verificação de hipóteses tornam-se critérios
decisivos, suplantando o argumento metafísico. Trata-se, no entanto,
como quase sempre na história das idéias, de um longo
processo de transição, muito mais do que de uma ruptura
radical. Ao longo desse processo, desde os franciscanos do Merton College
(séc. XIV) até Galileu (1564 - 1642) e Newton (1643 -
1727) temos diferentes pensadores, filósofos, teólogos,
matemáticos, astrônomos, que contribuíram com diferentes
idéias, levando finalmente às profundas transformações
na visão científica do séc. XVII, tanto em relação
ao modelo de cosmo quanto aos aspectos metodológicos da ciência
moderna.
Pode-se considerar que são fundamentalmente duas
as grandes transformações que levarão à
revolução científica:
1) Do ponto de vista da cosmologia, a demonstração da
validade do modelo heliocêntrico, empreendida por Galileu; a formulação
da noção de um universo infinito, que se inicia com Nicolau
de Cusa e Giordano Bruno; e a concepção do movimento dos
corpos celestes, principalmente da Terra, em decorrência do modelo
heliocêntrico;
2) Do ponto de vista da idéia de ciência, a valorização
da observação e do método experimental, isto é,
uma ciência ativa, que se opõe à ciência contemplativa
dos antigos; e a utilização da matemática como
linguagem da física, proposta por Galileu sob inspiração
platônica e pitagórica e contrária à concepção
aristotélica. A ciência ativa moderna rompe com a separação
antiga entre a ciência (episteme), o saber teórico, e a
técnica (techne), o saber aplicado, integrando ciência
e técnica e fazendo com que problemas práticos no campo
da técnica levem a desenvolvimentos científicos, bem como
com que hipóteses teóricas sejam testadas na prática,
a partir de sua aplicação na técnica.
A revolução científica moderna resulta
portanto da conjugação desses fatores, para o que contribuíram
diferentes pensadores ao longo dos séculos XV e XVII, sendo que,
em certos aspectos, rompe de fato decisivamente com a ciência
antiga, mas em outros inspira-se ainda em teorias clássicas.
Só com Newton, praticamente já no séc. XVII, é
que teremos a formulação de uma ciência físico-matemática
plenamente elaborada em um sistema teórico.
O humanismo renascentista havia colocado o homem no centro
de suas preocupações éticas, estéticas,
políticas. A Reforma protestante valoriza o individualismo e
o espírito crítico, bem como a discussão de questões
éticas e religiosas. a revolução científica
pode ser considerada uma grande realização do espírito
crítico humano, com sua formulação de hipóteses
ousadas e inovadoras e com sua busca de alternativas para a explicação
científica; porém, ao tirar a Terra do centro do universo
e ao trazer para o primeiro plano a ciência da natureza, se afasta
dos temas centrais do humanismo e da Reforma, sofrendo em muitos casos
a condenação tanto de protestantes quanto de católicos.
O homem deixa de ser o microcosmo que reflete em si a grandeza e a harmonia
do macrocosmo, as novas teorias dissociando radicalmente a natureza
do universo da natureza humana.
É significativo, portanto, que Descartes, talvez
o filósofo mais importante e mais representativo desse período,
dedique toda a sua obra quase que exclusivamente à questão
da possibilidade do cohecimento e da fundamentação da
ciência, defendendo as novas teorias científicas e o modelo
de ciência que pressupõem.
Escreveu Robert Hoke, inventor da bomba de vácuo:
'O objetivo da Royal Society é melhorar o conhecimento das coisas
naturais e de todas as artes úteis, manufaturas, práticas
mecânicas, engenhos e invenções, por meio de experiências
(sem se imiscuir em teologia, metafísica, moral, política,
gramática, retórica ou lógica).' (Iniciação
à História da Filosofia, Danilo Marcondes)
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