O
r i g e m e x i s t e n c i a l |
Os primeiros tempos da sociedade grega
A sociedade grega do período anterior a 800
a.C. transmitia seus conhecimentos oralmente. Com o surgimento da escrita
esta tradição modificou-se e gradativamente a oralidade
foi dando lugar ao texto escrito. Os primeiros textos foram as epopéias
escritas por Homero, "A Ilíada" e "Odisséia"
e por Hesíodo, "Trabalhos e dias" e "Teogonia".
A Ilíada canta em forma de poemas as virtudes e as glórias
dos heróis gregos em suas guerras. O guerreiro típico
pertencia à aristocracia grega. Odisséia canta o retorno
de Ulisses a sua casa após ausentar-se por vinte anos. Quem o
recebe é Penélope, mulher fiel e dedicada.
A importância de Ulisses (ou Odisseu) está
no fato dele ser "o homem que pensa". Esta característica
denota um homem que tem astúcia, que não age de acordo
com os seus impulsos imediatos. Foi ele quem teve a idéia de
construir o 'cavalo de tróia', que serviu como um objeto de emboscada
contra os troianos. O 'cavalo' seria um presente dos gregos aos troianos
como reconhecimento de sua superioridade, mas, de fato, o 'cavalo' foi
uma armadilha: o cavalo não era o que aparentava ser, dentro
dele havia algo diverso.
Se por um lado 'a medida divina' se mostra como um
presente de reconhecimento da superioridade dos troianos em relação
aos gregos, e o sinal desta medida seria o 'cavalo de tróia',
por outro lado, 'a medida humana' se faz superior, pois dentro do cavalo
havia outra coisa: guerreiros que derrotaram os troianos. Esta medida
foi pensada e construída pela astúcia de Ulisses. Por
trás do que aparentava o 'cavalo de tróia' havia algo
mais e diverso do que aparentava ser.
As epopéias de Homero cantam as glórias
da aristocracia grega, glórias que são frutos da conseqüência
natural que está vinculada a uma linhagem ancestral (Telêmaco,
filho de Ulisses, ao chegar a idade adulta, demonstra toda a sua herança
ao matar os inimigos de Ulisses. Ele não teve que se esforçar
para tal feito, ele teve apenas que ser aristocrata, filho de Ulisses).
Por outro lado, as epopéias de Hesíodo
falam da possibilidade do aprimoramento através do esforço,
do trabalho individual, principalmente com o uso da inteligência.
Portanto, em Hesíodo, diferentemente de Homero, possível
ao homem atingir a glória sem pertencer a uma linhagem aristocrática.
Os mitos, que através da narração
oral, explicam e justificam os fenômenos passam a ser escritos,
após a invenção da escrita alfabética. Este
fato foi essencial, pois possibilitou o acesso aos mitos escritos com
mais freqüência (antes, na oralidade, eles eram reatualizados
esporadicamente em eventos religiosos) e assim puderam ser analisados
(criticados).
Os primeiros pensadores que tiveram acesso aos poemas
de Homero e de Hesíodo perceberam várias contradições
nas mitologias, por exemplo: os deuses possuíam características
humanas como 'cansaço', 'raiva', 'sono', 'vingança', etc.
Além disso, os deuses foram esculpidos semelhantes às
formas humanas.
Além deste fato, vários outros ocorreram
como por exemplo, o confronto destas mitologias com as mitologias de
outros povos; e principalmente a insuficiência explicativa dos
mitos para vários fenômenos.
Desde o momento da transposição dos
mitos da oralidade para a escrita, que ocorreu por volta do ano 700
a. C. até o momento do surgimento da Filosofia, transcorreram
aproximadamente 100 anos. Tales de Mileto, no ano de 600 a. C. já
estava com aproximadamente 25 anos e foi dele a frase inaugural da Filosofia
'Tudo é água'. O confronto aqui é claro: não
são mais os deuses que fundamentam os fenômenos da natureza,
está na própria natureza o fundamento dos fenômenos.
Portanto, de uma explicação transcendente passa-se a ter
uma explicação imanente dos
fenômenos.
É importante observar que os primeiros pensadores
que criticaram a mitologia o fizeram dentro de um ambiente de crise
da mitologia, e isso significa que as explicações mitológicas
não estavam dando conta de explicar ou justificar vários
fenômenos naturais e também vários fenômenos
sociais. A busca de respostas para sair desta crise motiva o surgimento
de uma linguagem diferente da linguagem mitológica. Esta nova
linguagem foi denominada por Heráclito de 'logos'. Portanto,
de uma linguagem narrativa, em que tudo é explicado por uma história
que se refere aos deuses, ou alguma decisão divina, passa-se
para uma linguagem científica que tem referência na natureza.
Passa-se a falar numa 'causa imanente', não mais numa 'explicação
transcendente'. Este tipo de transposição terá
sua forma definitiva por volta de 280 anos mais tarde com a lógica
de Aristóteles.
Exemplos da 'medida divina' e da 'medida humana':
O métron divino
"Todos os outros, deuses e guerreiros, condutores
de carros, dormiram durante toda a noite, mas o doce sono não
veio a Zeus, que imaginava, em seu coração, como poderia
honrar Aquiles e destruir muitos homens junto aos navios dos aqueus.
E, ao seu espírito, o que pareceu melhor foi mandar a Agamenon,
filho de Atreu, um sonho enganador. E, dirigindo-se ao sonho, disse:
_Vai, sonho enganador, para os velozes navios dos aqueus: entra na tenda
de Agamenon, filho de Atreu, e dize-lhe que faça exatamente tudo
o que te mando dizer. Dize-lhe para armar, a toda a pressa, os aqueus
de longas cabeleiras, eis que agora poderá tomar a vasta cidade
dos troianos." (Ilíada, Livro ll, Homero)
Neste trecho vemos em Zeus um deus enganador, que
conspira, que neste momento estava sem sono. Para os primeiros filósofos
estas características são humanas e não divinas.
Estas características os levaram a pensar que os deuses eram
produto da mente humana.
O
métron humano
"Essa
ordem universal, que é a mesma para todos, não foi criada
por nenhum dos deuses ou homem, mas sempre foi e será fogo, constantemente
vivo, que sempre se acende ou se apaga, na justa medida." (Heráclito)
A busca da 'medita humana', motivada por um crise
de explicação das coisas do mundo foi iniciada com várias
perguntas referentes aos fenômenos naturais. O título do
programa 'origem existencial' da Filosofia faz referência origem
da Filosofia vinculada às causas dos fenômenos naturais
(em grego, natureza é physis), ou seja, existiria um princípio
causador dos fenômenos que não tem referência com
os deuses?
É importante observar que a busca iniciada
pelos pré-socráticos é a busca de um 'padrão',
de uma 'regularidade' na natureza, de uma invariável. Aquilo
que não varia dá suporte a objetividade (que se contrapõe
a subjetividade variável) que Sócrates irá chamar
de 'definição', Platão irá chamar de 'idéia'
e Aristóteles irá chamar de 'substância'.
Hoje, na contemporaneidade, a Ciência
procura e se baseia em padrões, em regularidades. Se se encontra
uma regularidade é possível a ciência e a tecnologia.
A comunidade dos profissionais de informática dizem a seguinte
frase "Se há um padrão, é possível
mecanizar."; encontrado um padrão, parte-se para a construção
de um software (aplicativo para internet, para um jogo, um programa
contábil, um programa de gestão de informações
ou de gestão de finanças, etc.) O surgimento da Ciência
que conhecemos hoje surgiu com o Sócrates platônico, ao
buscar uma definição ele completou o trabalho dos filósofos
pré-socráticos.
Perguntas sobre a existência:
. Por que os seres nascem e morrem?
. Por que os semelhantes dão origem aos semelhantes?
. Por que dos diferentes parecem surgir também os diferentes?
. Por que tudo muda?
. Por que quando temos um dia lindo maravilhoso, repentinamente troveja
e chove?
. Por que adoecemos?
. Por que quando estou doente, o alimento que era bom fica com gosto
ruim?
. Agora que estou com dor de cabeça, não suporto ouvir
nem mesmo a música que mais gosto?
. Por que de uma árvore nascem coisas diferentes como flores
e frutos e até outra árvore?
. Por que nada permanece idêntico a si mesmo?
. De onde vêm os seres e para onde vão?
. Por que depois do dia vem a noite e depois desta o dia e tudo parece
se repetir continuamente?
1. Filósofos pré-socráticos:
cronologia e idéias
As
questões que os pré-socráticos se colocavam eram:
Qual é a origem do mundo? Existe um princípio primordial
(arché) do qual tudo deriva?
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Tales
de Mileto - 625 a 546 a.C. - Considerado o primeiro filósofo
disse "tudo é água". A nova concepção
de mundo dos milésios denominou-se logos, palavra grega
que significa razão, palavra ou discurso. As características do
logos, que o contrapõem ao pensamento mítico, são a imanência
(oposta à transcendência), o naturalismo e o abandono do antropomorfismo.
Para Tales, portanto, tudo é fundamentado pela água,
o logos é água.
A palavra 'logos' foi dita pela primeira vez por Heráclito.
A importância de Tales está na originalidade de ter
sido o primeiro pensador a imputar a um elemento único
a causa de todos os fenômenos. Se Tales estivesse hoje entre
nós, talvez ele dissesse: "tudo é crise econômica". |
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Anaximandro - 610 à 546 a.C. - Contemporâneo
de Tales e Anaxímenes, fez o primeiro mapa-múndi.
Para ele, o princípio é o infinito. E a sua observação
cosmológica se deu da seguinte forma: se à luz se
contrapõe a escuridão, se ao seco se contrapõe
o úmido, se ao quente se contrapõe o frio, ao limitado
se contrapõe o ilimitado (ápeiron = ilimitado =
infinito).
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Anaxímenes
- séc. VI a. C. - Contemporâneo de Tales, disse que
"tudo é ar". Sua observação está
focada no ar como aquilo que sustenta a vida, aquilo que se encerra
no último suspiro. Ar (pnêuma) tem, em Anaxímenes,
um significado mais espiritual do que natural. Ar é fonte
de vida.
A
preocupação destes três filósofos
(Tales, Anaximandro, Anaxímenes), iniciadores da
filosofia, foi pensar um universo fundamentado na natureza
cosmológica em contraposição aos mitos.
Diante da multiplicidade e da mutabilidade das aparências,
buscavam um princípio unificador imutável, ao qual chamaram
arkhé, origem, substrato e causa de todas as coisas. A adoção
de um princípio único é chamado de
monismo (quem não é monista é dualista
- Platão, Descartes -, ou pluralista - Aristóteles) |
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Pitágoras - 580 à 500 a.C. - Criador da irmandade
religiosa pitagórica, divulgava, a partir de uma reformulação
do orfismo (que cultuava o deus Dionísio) a transmigração
da alma (reencarnação) e advogava o não consumo
de carne, pois os humanos poderiam reencarnar em animais. Pitágoras
propôs algo imaterial, o número, como princípio de explicação
das coisas e do mundo. Para a linguagem pitagórica, "número" é
sinônimo de harmonia. 'Número' para Pitágoras não
era uma abstração, para ele, a constituição
íntima das coisas era feita realmente de 'números'.
Estas duas descrições de Pitágoras influenciaram
as filosofias de Platão e de Aristóteles.
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Heráclito - 540 à 480 a.C. - Era chamado
de "obscuro" por ter um estilo de difícil compreensão.
Para ele o arkhé é o 'fogo'. Foi o filósofo
do vir-a-ser, que preconiza tudo estar em movimento e mudança
permanente; e também foi o criador da dialética.
O 'fogo' de Heráclito é uma metáfora de algo
que possibilita a transformação. O dinheiro, por
exemplo, é algo que permite transformar as horas trabalhadas
por uma pessoa em alimentos para o seu sustento.
Os fragmentos mais famosos de Heráclito
foram: "Tudo flui e nada permanece.", "Não
nos banhamos duas vezes no mesmo rio." "O Sol é
novo a cada dia."
Heráclito cunhou a palavra 'logos' que significa:
palavra, enunciado, definição, discurso, explicação,
cálculo, medida, avaliação, razão,
causa, pensamento. Portanto, para ele, o logos é o fogo,
ou seja a causa dos fenômenos é o fogo (é
a mudança). Tomando um exemplo: o que há de constante
em algo que conheço é a sua mudança permanente.
Influenciou a filosofia de Hegel e Karl Marx. Alguns filósofos
o colocaram em oposição a Parmênides. |
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Parmênides - Séc VI a.C. - Nasceu em 515 a.C.
- Para
Parmênides, tudo o que existe constitui uma única realidade: o
ser, que ele identifica com o pensamento, uma vez que só
se pode pensar sobre aquilo que existe. Esse ser é incriado, imóvel,
imutável, homogêneo e esférico, ou seja, fechado em si mesmo.
Não pode, portanto, mudar; o aparente movimento das coisas não
seria senão um engano dos sentidos. Nesse aspecto, Parmênides
se opunha radicalmente a Heráclito, para quem a mudança era o
princípio fundamental da realidade. Admirado por Aristóteles e
por Platão. Parmênides formulou pela primeira vez o princípio
de identidade, ou da não-contradição, segundo o qual o ser é e
o não-ser não é, base de toda a lógica posterior.
Por que o argumento de Parmênides se contrapõe
ao de Heráclito? Ora, se tudo muda como diz Heráclito,
como é possível o conhecimento? Para Parmênides
só é possível conhecer o que é (o
que permanece igual a si mesmo); e aquilo que é sempre
um vir-a-ser (um não ser) não está passível
de conhecimento. |
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Empédocles
- 490 à 430 a.C. - Disse que tudo se fundamentava em água,
fogo, terra e ar, estes quatro elementos se separam pela força
do ódio e se juntam pela força do amor. |
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Anaxágoras
- 500 à 428 a.C. - Com Parmênides, afirmava que só o ser
é e o não-ser não é, porque ao ser, enquanto totalidade, não se
pode acrescentar nem tirar nada. Considerava, em conseqüência,
que "nada vem à existência nem é destruído, tudo é resultado da
mistura e da divisão". A cambiante pluralidade do real é simplesmente
o produto de ordenações e reordenações sucessivas, já não dos
quatro elementos tradicionais, água, terra, fogo e ar, mas sim
de "sementes", ou "homeomerias". Anaxágoras, contudo, defendeu
também a idéia de que, junto à matéria, existe um princípio ordenador,
um nous ou "inteligência", como causa do movimento. Por isso ele
é considerado o primeiro dualista.
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Demócrito - 460 à 370 c.C. - Para explicar
as mudanças da natureza, Heráclito havia afirmado que tudo é movimento,
enquanto Parmênides dizia que o ser é uno e imutável e que o movimento
é ilusão. Tentando resolver esse dilema, Demócrito considerou
que toda a realidade se compunha de dois únicos elementos: o vácuo
ou não-ser e os átomos. Afirmava que o arkhé são os "átomos",
palavra grega que designa aquilo que é indivisível. Os átomos,
segundo Demócrito, são materiais eternos e sem causa, cujas propriedades
são tamanho, forma, impenetrabilidade e movimento. Essas partículas
se movem continuamente no vácuo e, segundo sua forma e tamanho,
constituem os diferentes corpos físicos: sólidos, gasosos etc.
Todos os fenômenos e mudanças de estado, como a morte, não passam
de combinações e separações de átomos. Demócrito explicava a sensação
argumentando que os corpos emitiam imagens muito tênues que impressionavam
a alma, também material, por meio dos sentidos. A partir desse
conhecimento sensorial o homem se elevaria até o racional. Demócrito,
portanto, oferece uma explicação totalmente material e mecanicista
do mundo. Portanto, sua ética é antes de tudo prática e se encaminha
para o bem comum. O homem deve aspirar à epitimia, ou tranqüilidade
de espírito, livre de temores e emoções, e sua busca precisa ser
garantida por leis justas de convivência. |
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